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REPORTAGEM: Pedras de Cabo Verde ganham vida e novas formas nas mãos de dois artesãos em São Vicente 22 Maio 2023

Estatuetas, brindes, objetos decorativos, tabuleiro de jogos ou esculturas são muitas das formas e vidas que as pedras de Cabo Verde ganham nas mãos de Albertino e Davidson, numa “colaboração perfeita” entre dois artesãos em São Vicente.

REPORTAGEM: Pedras de Cabo Verde ganham vida e novas formas nas mãos de dois artesãos em São Vicente

A ideia inicial foi do artesão Albertino Silva, de 55 anos, natural da ilha de São Vicente, que trabalhou na mecânica, com chapas metálicas, com latas e até com sapatos, mas foi o único de 15 formandos de várias ilhas a continuar a “picar” pedras.

“Como já fazia outros trabalhos dentro desta área criativa, a pedra, dada a sua dureza, é um material nobre, que tem a ver com todos nós, tem a ver com a constituição das nossas ilhas, chama-me mais atenção, por isso há cerca de 20 anos que dedico mais à pedra”, contou à Lusa, no atelier em Chã de Alecrim, na cidade do Mindelo.

A partir de 2015 começou a trabalhar por conta própria, altura que surgiu o nome de ‘Piká Pedra’ (cortar pedra) e no ano seguinte conheceu Davidson Almeida, um “grande parceiro” que “gostava de estar com a mão na massa”, mesmo quando estava a estudar.

E daí começaram a colaboração, e como “entendiam muito bem”, criaram a microempresa e ficou o nome para o atelier que confeciona peças únicas em pedra, metal e até papel.

O convite feito a Davidson Almeida, de 33 anos, aconteceu quando este último ainda estava em formação de Design, na Escola Internacional de Arte do Mindelo (M_EIA), algo que não podia recusar e a colaboração não podia ser mais perfeita até agora.

“Passámos alguns anos a trabalhar juntos, vimos que tudo estava a funcionar perfeitamente e surgiu a ideia de formarmos a empresa, Piká Pedra, em 2019, e até agora estamos com este projeto, que espero que seja por muitos anos”, projetou.

E para quem gosta de estar com a mão na massa – trabalhou na carpintaria e acompanhava o irmão serralheiro - Davidson não podia ter melhor oferta. “Aqui é um meio totalmente diferente, trabalhar com pedra, mas o Albertino transmitiu-me tudo até agora e sinto-me muito à vontade”.

O processo para a confeção das peças começa com a recolha das pedras, nas pedreiras e nas praias de São Vicente e de outras ilhas do arquipélago, para depois ganharem novas formas no atelier com vista para o Monte Cara, uma das sete maravilhas de Cabo Verde.

“A nossa marca tem sido trabalhar com o calhau rolado, ou seja, usamos a forma que a pedra já ganhou na natureza. A partir daí tentamos alterar o mínimo a sua forma”, referiu Albertino Silva, indicando que as pedras são cortadas e perfuradas, lixadas e polidas, se for necessário, antes do acabamento conjuntamente com metais ou pedaços de chapas metálicas.

Colares, porta-chaves, esculturas, estatuetas para prémios, brindes, brinquedos, objetos decorativos ou tabuleiros para jogos são muitas das peças que saem do atelier, que tem marcado presença em grandes eventos em Cabo Verde e já teve várias exposições no estrangeiro.

“Divertimo-nos muito, dá muito prazer, porque estás a trabalhar expressões, porque a partir de uma pedra que é algo estática, quando a vês, sentes movimento, e é um movimento inspirado no corpo humano, por isso é um trabalho que nos dá muito prazer”, descreveu o artesão.

Neste momento, apenas Albertino e Davidson trabalham diariamente na fábrica - contam com um colaborador para serviços pontuais -, mas a procura já é tanta que precisam de pelo menos mais quatro pessoas ou delegar alguns processos a outros funcionários, para se concentrarem apenas na confeção das peças.

“Neste momento, por causa da falta de mais mão-de-obra, estamos apenas a dar resposta ao que os clientes pedem, às encomendas, mas sentimos falta de fazer o que queremos”, enfatizou Silva, manifestando vontade de fazer pelo menos uma exposição por ano com as próprias criações.

“Temos muitos obstáculos, como tudo na vida, mas tentamos sempre ultrapassá-los, mas temos tido bom ‘feedback’ das pessoas”, deu conta o mentor do projeto, que apontou os transportes, falta de alguns materiais e de uma oficina maior como outras dificuldades enfrentadas.

Em sentido contrário, o que abunda no país são pedras, de todas as formas e tonalidades, grandes e pequenas, em ilhas vulcânicas, e com o único vulcão ativo no Fogo.

Em todo este processo, há também uma vertente de reciclagem, de pedras, metais ou chapas, dando preferência aos materiais já oxidados e que estão a poluir o meio ambiente e que as recolhas de pedras são feitas respeitando e para não descaracterizar o meio envolvente.

Depois de ‘sobreviver’ à pandemia da covid-19 e das outras crises, Piká Pedra olha agora para o futuro, não descartando a possibilidade de adquirir outros equipamentos.

Davidson Almeida diz que se sente à vontade nesta área, mas o mesmo não se pode dizer de outros jovens cabo-verdianos, a quem incentiva a ver o artesanato como algo para o futuro.

“E nós, os jovens, precisamos abraçá-lo mais, não algo para passar o tempo ou ganhar pouco, mas algo mais em grande”, salientou o artesão, que desde sempre gosta de fazer estatuetas, mas nem sempre saíram perfeitas, tal como faziam o Albertino Silva.

“Mas com o tempo, e da forma como foi transmitindo e experimentando, comecei a entender e a fazer melhor”, deu conta Almeida, indicando que este ofício lhe permite também conhecer um pouco mais sobre as ilhas cabo-verdianas, porque além da recolha das pedras, convivem com as pessoas locais, veem as suas necessidades, vivências e servem de inspiração para as criações.

“Quando vais a um local fazer recolha, não fica bem chegar, apanhar o material, meter dentro do carro e ir embora. Não. Tens de conhecer um pouco do lugar, sentir o espaço, e isso vai entrar e acrescentar mais um sentimento na peça que vais produzir”, considerou.

A Semana com Lusa

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