Não fosse por conta e culpa do novo coronavírus, há uns dias largos, a Brava dava-se início aos preparativos de uma das tradições juninas mais emblemáticas desta ilha, as festas de São João.
Nesta quarta-feira, 24, logo de manhã, às 7:00, haveria de se cumprir mais uma vez o ritual e a ilha inteira estaria presente num desfile animado, dirigindo-se a um lugar que se chama Cutelo Grande, onde vão “vestir” o Mastro.
Mas este ano a tradição não se vai cumprir na ilha Brava ou noutra localidade do arquipélago, por uma questão de “segurança sanitária” e para evitar o contágio do covid-19.
Porém, existirão certamente alternativas mais seguras que permitam aos festeiros não deixar de assinalar a data. Mas, este ano, terão de o fazer a partir de casa.
Henrique de Pina, 76 anos, desde os 12 anos que vem vivendo e mantendo viva a tradição do “Mastro”, nas três festas da “Bandeira” da ilha Brava, o que não será possível este ano.
A ilha possui uma forte tradição em termos de Bandeira, mas existem aquelas dedicadas a Santo António, São João e São Pedro, que, desde a antiguidade, vem se cumprindo e o “vestir o Mastros” tornou-se mais do que um acto simbólico.
Entretanto, já lá vão algumas décadas que apenas um homem se dedica e tenta manter viva a tradição e este ano, a única coisa que conseguiu fazer, por conta do covid-19, foi colocar o “mustareu” e a linha para içar a Bandeira Nacional.
Por isso, além da pandemia do novo coronavírus que paralisou as actividades este ano, Henrique de Pina teme que a tradição acabe por perder ou morrer, assim como tem vindo a acontecer com as outras tradições da ilha.
Conforme contou à Inforpress, a sua ambição e vontade em fazer o Mastro iniciou desde os 12 anos, nos tempos antigos, que recordou como sendo o “tempo de Nho Tui, Nho Totoy, Frank”, figuras que vestiam o “Mastro”, em que ele ainda, rapazinho, sentava-se no Cutelo, e prestava atenção em cada passo que eles davam para confeccionar e vestir o Mastro.
Mas agora, de acordo com o “mastreiro”, nenhum jovem demonstra esta ambição ou desejo em aprender e fazer o Mastro.
Recordou que quando criança, em todas as festas da “Bandeira”, deslocava-se até o Cutelo, e observava as pessoas a fazerem as “vergas”, ou a estrutura do Mastro, depois vestiam-no, e ele subia ao Mastro e colocava o “mustareu”, pau que é içado à bandeira no fim e, como recompensa, recebia uma canastra (pão em diversos formatos) que levava aos pais.
“Assim, vim com esta ambição e, com o tempo, eles morreram, dei continuidade e até agora, com os meus 76 anos, preparo o Mastro”, mas, com esta idade, de acordo com a mesma fonte, está sendo um pouco cansativo.
Henrique Pina emocionou-se ao relembrar que, antigamente, as coisas eram bem diferentes, porque nas festas da bandeira havia muitas actividades tradicionais que hoje já não são lembradas e nem realizadas.
Falou do “quebra pote”, “panha algorinha”, onde penduravam argolas nos cavalos e as pessoas iam apanhando. Recordou ainda de um cavalo que se chamava Kalifa, que descreveu como sendo um cavalo branco, que dançava e não magoava ninguém, entrava nas casas, independentemente se era sobrado ou não, mas o animal tinha de subir para dançar ao redor de todas as casas por que passava, conforme o ritual da ilha.
“Este cavalo, quando sentia o pau no tambor, dançava juntamente com as coladeiras, como se fosse uma pessoa”, contou emocionado de alegria e de tristeza, por ver a tradição a “morrer dia após dia”.
Recordou ainda que na época, eram realizadas “boas feiras”, barracas e tudo era muito bom. Mas agora, acrescentou, “estão eliminando muitas destas tradições”.
O Mastro, até agora, é vestido logo ao amanhecer, quando as pessoas vão levar as oferendas, os festeiros entregam tudo o que possuem para colocar nele, e por volta das 17:00, é dado o “bote”, ou seja, o momento em que as pessoas em grande e alegre algazarra tentam tirar as coisas que estão no Mastro, até este acabar por ficar nu, o que significa que a festa acabou.
Entretanto, o septuagenário lamenta muito a falta de incentivos por parte dos jovens, porque, segundo o mesmo, hoje em dia, os jovens vão até o Cutelo, onde o encontram, mas nenhum é capaz de o ajudar. Caso houver bebidas, bebem, mas depois que terminar, vão embora e “não se preocupam em aprender”.
No Mastro, costuma-se colocar um pouco de tudo, desde pão, frutas, flores, banana, bebidas, dinheiro, mas agora até isso tem vindo a diminuir.
“Para o próximo ano espero que Deus corta-nos esta doença para podermos reviver tudo isso com mais força”, concluiu. A Semana com Inforpress